sábado, 31 de janeiro de 2009

Entre o cais e a névoa

Já não te quero mais
sou livre como era ontem
senti a brisa que soprou a vida no dia em que nasci
enxerguei a cor da tinta que pintou meu primeiro beijo

Posso seguir sozinho
sem a companhia da fuligem e da bruma
que me impregnaram os pulmões por toda minha descida
na chaminé da tua cozinha

Demorou para se rasgar de mim
a costura que entrelaçou nossos pêlos
que cobriu minha barriga magra
com a manta dos teus cabelos

Arrisco participar deste mono-adeus
como uma mão a abanar o ar de pedra
congelado pela falta de continuidade
entre o teu e o meu mundo

É cedo saber que não voltarás
para o lugar onde não estávamos
quando fechaste a mala do que vivemos
e desfizeste o sonho da espera.

domingo, 25 de janeiro de 2009

roupa de domingo

Há tempo
muito dele para que se conte em dias
pouco para que se conte em anos
senti em mim pela última vez
como ser que transita pela crosta da terra
a perfeita noção de segurar outra mão
e me saber alguém que ama.

A cada passo da vida
que me leva adiante na história
sinto presente o saber
que comigo esteve naquele tempo
muito dele
aclamando a noção exata de viver
e ser alguém que amava.

É o que me esvazia o tic e tac insistente
dos espaços que buscam realidade
sem volumes preenchendo instantâneos momentos
livre de precisar mais do que tenho
quando me visto com a tua lembrança.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

O nó e o pinho

Um pinheiro que não pode se dizer perdido na cidade. Este não tem esse direito. Muitos pinheiros tem um porquê de se dizerem perdidos e é certo que perdidos estão. Mas não este.
Hoje à tarde passei quase ela toda sem mais que dizer à frente de que era tarde e foi hoje. Para uma sexta-feira e para uma semana de começo de ano com futuro cheio de probabilidades, passar o vespertino do tempo sem mais que dizer é mais do que improdutivo e menos do que interessante, é pouco. Mas assim está porque assim foi e pouco há que acrescentar no que já disse. E ter atravessado parte do dia num sem-movimento vagar trouxe, para depois do nato e vegetativo passo vivido, a perscrutação da vida e não encontro um anterior pela mesma janela do agora visto e visado pinheiro.
Se a altura que agora frequento não houve em outros momentos mostrando os dias acima das copas das araucárias é por simples não ter havido. Isto por si só não impediria o pensamento que tive quando desta paisagem. Provavelmente só teria alterado o ângulo de visão e não o ponto de vista.
É que onde não há urbanização aqui no estado do Paraná e onde não haviam cidades antes, respeitados os habitáveis lugares próprios para araucárias, estes pinheiros habitavam em multidões. As abundâncias são próprias para que nos digamos sós. Quanto mais somos apenas um no meio de muitos, menos sabemos do todo. Perder-se então é um passo fácil e uma condição própria do habitar grandes comunidades.
Se no chão que fincamos estar não há linha ou número que o identifique, se não há fala para contar outros espaços e há um solo conquistado apenas para uso enquanto vida somos, dizer estou cá onde domino portanto sei onde estou é tão inútil quanto dizer que o vento sopra sem nunca sentir o seu toque.
Ele de certeza não está perdido por simples se considerar que seja uma planta. Se esta árvore vive anos somados por dezenas ou talvez até centenas somadas de anos, é por pouco de probabilidade que não traga já aprendido ouvir o nome da rua onde mora. Pela cena que vi daqui me pareceu ouvir ele dizer que às vezes é melhor estar perdido.

Inerências retóricas

escrito e dinâmico * A razão é a busca dela. Está sempre entre seu impulso e sua descoberta. ..............................